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Maradona: entidade divina ou eterno camisa 10?

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Foto: Reprodução

Morreu. Assim deve ser anunciada a morte de um grande personagem, seja ele maligno, antipático, amado ou comum. Difícil, para mim, seria criar eternas metáforas para anunciar a morte de alguém de tal porte.

Jornais pelo mundo todo estão criando tais metáforas inexplicáveis; essas produções jornalísticas me fazem pensar em algo: seríamos nós criadores de seres eternos e entidades divinas? Penso que sim.

Capas dos principais jornais do mundo – Foto: Reprodução

Temos essa necessidade, confusa e paradoxal, de criarmos contos de fadas para ilustrar nossa indigestível realidade.

Ao olharmos para o povo argentino – a cidade de Nápoles, na Itália, também –  agonizando a morte de Maradona, vemos concretamente esta construção desfilando seu enredo.

Particularmente, acredito que a ciência poderia realizar esse papel: toda a produção científica deveria se preocupar em manter viva essas pessoas que se eternizam por alguma razão.

Foto: Reprodução

Os contos de fadas desempenham essa função hoje, mas também criam as ilusões, deturpando a interpretação concreta de personagens em nosso mundo. Maradona não é Peter Pan, mas é Maradona.

Deveria viver eternamente para fazer gols por toda eternidade; assim deveria ser Pelé, Senna, Tyson, Bolt e tantos outros.

Peter Pan funciona bem nos livros, nos mostrando nuances de uma realidade possível, entretanto, Maradona apenas tem êxito dentro de campo, fazendo gols, nos deixando bobos com sua genialidade.

O craque teve sua imagem ampliada por conta de uma carência do povo argentino, representou a esperança, a raça, a paixão, o sentimento mais puro do que era ser patriota.

Apareceu no auge de uma crise cultural, de uma devastação da prosperidade “hermana” que durava longas décadas.

El Pibe de Oro surgiu como um ponto de apoio em meio às crises políticas vividas no país, era o herói nacional populista que um legítimo sul-americano não rejeita.

Recepção dos jornalistas com sua chegada ao Napoli (Reprodução: Twitter)

Em outras épocas disse Santo Agostinho em seu livro  A Ordem: “ Pois uma coisa é quando damos fé a uma autoridade, outra quando a damos à razão”.

Penso, olhando para a reação das pessoas, depois da morte de Diego, que o camisa 10  recebeu essa autoridade do povo argentino, observou-a e decidiu acolhê-la. Mesmo em meio ao seu próprio caos, virou Deus para um povo que não tinha um Messias para acolher.

Maradona era tão querido na Argentina como um parente próximo.  A qualquer momento, ele poderia ser convidado a entrar e se juntar à mesa de jantar. Para os argentinos, o camisa 10 era chamado apenas de Diego e não de Maradona.

Durante a Copa de 1986, divinamente, “D10S”, visitou cada lar com gols e assistências, entregou o mundo nas mãos do povo porteño e foi colocado no trono.

Maradona levanta a taça da Copa do Mundo de 1986, logo após vitória contra a Alemanha Ocidental (Reprodução: Twitter)

Com ou sem governo, a Argentina tinha um rei, alguém para recorrer quando as dores da realidade batesse à porta. 

Se é rei, não tenho certeza; se o chamam de “Díos”, penso que se equivocaram. Diego Armando Maradona Franco é um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos – o segundo maior se preferirem.

Que seja assim: eterno no campo em que desfilava. Mais que isso seria um erro, menos que isso seria um crime.

Machado criou Capitu, Shakespeare criou Romeu e Julieta, o futebol, que não é poeta, mas poético, criou Maradona. Não sei o que é Diego Maradona, mas sei que foi o eterno camisa 10.

Raul Ferreira
Apaixonado por futebol, corinthiano maloqueiro e sofredor. Gosto de discussões profundas e filosóficas. De fato, futebol não é apenas um jogo, futebol é um modo de vida. Acompanho NFL e ficaria feliz em conhecer Aeron Rodgers. Católico.

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